Não há mentiras e não há
mistérios. Tudo bem esclarecido em nossa cabeça, mesmo com a turbulência que se
faz na alma, em cada célula, na parte do corpo escondida que sente as preces e
os desejos ocultos. Fácil perceber que o meu coração é todo seu e você põe os
pés quando quiser, entra e bagunça, se aconchega e muda tudo de lugar. Mas
creio que estamos em ilhas distantes, eu e você isolados assim da matéria.
Você, pensando errado sobre o que eu penso. Eu, pensando sobre os seus erros.
Minha mente nunca irá se dobrar para você, amor, e nem a sua para mim. E é aí
que lhe digo que não há sentido nisso tudo. Como haveria sentido? Eu sei que
você tem coragem de mergulhar, mas coragem de permanecer você não tem. E nem eu
tenho peito suficiente para mantê-lo aqui. Como você pode achar que podemos
sobreviver com essa imensidão, nada se encaixando, exceto nós dois? Você não
foi o bastante para me fazer acreditar, e nem eu. O amor não foi absoluto dessa
vez. Você não está vendado, meu bem, e eu ainda não estou rendida. Nossas vidas
precisam recomeçar enquanto há tempo. Nosso olhar precisa se erguer enquanto
ainda existe horizonte. E que não seja o fim, nós sempre detestamos o fim,
lembra? Tantas vezes chorei apreensiva em seus braços após a última cena de um
filme previsível, tantas vezes repeti a última página do livro em que o
personagem principal morria. Mas estamos a salvo ou, pelo menos, estamos
tentando nos salvar. É apenas uma cena depois dos créditos, apenas um sorriso
após o epitáfio. Nossa chuva precisa cair enquanto há céu. Nossa estrela
precisa brilhar enquanto ainda existe luz.
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